Artigos

O regramento do Contrato do Aprendiz Legal

Por Velbert Medeiros de Paula

O contrato de aprendizagem foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei n. 10.097/05, que alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas para introduzir o contrato de aprendizagem, no entanto, o tema seguiu regulamentado pelo Decreto n. 5.579/18 (que substitui o Decreto n. 5.598/05), bem como sofreu mudanças em decorrência da Lei n. 11.180/05, da Lei n. 11.788/08 (Lei de Estágios), da Lei nº. 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e Lei n. 13.420/17.

Nesse sentido, as normas supramencionadas impõem aos estabelecimentos de qualquer natureza a obrigação de empregar e matricular nos curso dos Serviços Nacionais de Aprendizagem aprendizes, cujo percentual será de no mínimo 5% e no máximo de 15%, calculados sobre os números de profissionais contratados investidos em funções que demandam formação profissional. É o que se pode depreender da leitura do caput do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional”.

Todavia, a legislação disciplinadora da matéria toma conta de excepcionar a regra da contratação de aprendizes, eximindo as entidades e instituições sem fins lucrativos e de utilidade pública, que tenham por objetivo a educação profissional, e as microempresas e empresas de pequeno porte, da obrigatoriedade de contratação de aprendizes.

É a hipótese prescrita no artigo 429, §1º da CLT, bem como no artigo 14 do Decreto n. 5.579/18, verbis:

“Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.    

 “Art. 56. Ficam dispensadas da contratação de aprendizes:

 I – as microempresas e as empresas de pequeno porte; e

 II – as entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional.

No entanto, existe regulamentação acerca de quais entidades são entendidas como entidade de formação profissional, e essa previsão se encontra no artigo 3, inciso II, da Instrução Normativa nº. 97/212 do Ministério do Trabalho e Emprego, verbis:

“Art. 3º Estão legalmente dispensadas do cumprimento da cota de aprendizagem:

 I – as microempresas e empresas de pequeno porte, optantes ou não pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional.

 II – entidade sem fins lucrativos que tenha por objetivo a educação profissional e contrate aprendizes na forma do art. 431 da CLT.”

Logo, para que a empresa seja enquadrada nesse conceito de entidade que enfoque qualificação profissional nos moldes da legislação que regulamenta os contratos de aprendizagem, sendo, portanto, autorizada ao não cumprimento da cota legal, é necessário conste no cadastro do Governo Federal. Nesse sentido, fora desse contexto, haverá a necessidade de cumprimento da cota legal de aprendizagem.

Um dado de extrema importância é que nem todos os contratos de emprego mantidos pelo empregador são levados em consideração para o cômputo da cota de aprendizagem, mas tão somente aqueles contratos que veiculam funções que demanda formação profissional, como consta do caput do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Para fazer esse cotejo, na prática, o Ministério da Economia disponibiliza a consulta das funções por meio da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, podendo ser acessada a guia de “Características de Trabalho”, que informará se a ocupação consulta funciona para cota de aprendizagem ou não.

A título de exemplo, o “CBO 3331 – Instrutores e professores de cursos livres” exige a formação profissional, como se pode verificar no sítio: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTitulo.jsf, seguindo a descrição da função como consta no endereço eletrônico referido:

“O exercício dessas ocupações é livre. Requer-se escolaridade e qualificação profissional variadas, dependendo da área de atuação. Os cursos livres não estão sujeitos à regulamentação do mec. A(s) ocupação(ões) elencada(s) nesta família ocupacional, demandam formação profissional para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos, nos termos do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, exceto os casos previstos no art. 10 do decreto 5.598/2005.”

Por outro lado, ainda à guisa de exemplificação, o “CBO 2141 – Arquitetos e urbanistas”, não é contabilizado para fins do cômputo da cota legal, justamente pelo fato de ser um cargo restrito à formação em curso superior, seguindo a descrição da característica do trabalho:

 “Para o exercício das ocupações exige-se o curso superior completo em arquitetura e urbanismo, com ocorrência de profissionais com cursos de especialização e/ou pós-graduação.”

Por último, cumpre registrar que o cômputo da cota legal é realizado com base no estabelecimento empresarial individualizado por sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas.

Assim por definição expressa da própria Consolidação das Leis Trabalhistas, deve incidir sobre cada estabelecimento de forma isolada, ou seja, cada estabelecimento terá sua cota individualizada, independentemente da quantidade geral de funcionários ligado ao grupo econômico (matriz e filiais).

É o que pode ser depreendido do caput do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. ”

 Sobre a definição de “estabelecimento empresarial”, merece ser registrado que não corresponde à empresa como um todo, mas tão somente a unidade produtiva, mormente quando havia a separação das frentes por meio de CNPJs distintos.

Nesse sentido, o Código Civil Brasileiro em seu artigo 1.142 estabelece a definição legal de estabelecimento:

“Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”.

Merecem as elucidações do jurista Délio Maranhão:

“a empresa, conceitualmente, distingue-se do estabelecimento, embora o uso identifique, na prática, tais expressões. A empresa é a unidade econômica, e o estabelecimento, a unidade técnica de produção. Aquela traduz, antes, a atividade profissional do empresário, considerada no seu aspecto funcional, mais do que no instrumental”.[1]

 Para elucidar a questão, vale a menção à outra cota legal, que é a cota de portadores de deficiência, que, por definição legal, deve ser aplicada em relação a todos os estabelecimentos ligados à empresa, nesse caso, matriz e filiais, como adverte o artigo 93 da Lei n. 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social):

“Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:”.

Nesse contexto, fica superada qualquer discussão a respeito do parâmetro para o cômputo da cota legal de aprendizagem.

Acerca do regime de contratação do menor aprendiz, propriamente dito, cumpre pinçar os seguintes pontos principais:

 

  1. O contrato é escrito e por prazo determinado (anotação na CTPS), não podendo ultrapassar 02 anos, salvo no caso de aprendiz portador de deficiência, em que o prazo poderá ser indeterminado.
  2. Pode ser aprendiz aquele tenha entre 14 anos e 24 anos, salvo o portador de deficiência física, que poderá ser contratado a qualquer tempo.
  3. O aprendiz deve estar matricular e frequentando regularmente a escola, caso não haja concluído o ensino médio.
  4. Em regra, a carga horária limite para o aprendiz é de 06 (seis) horas diárias, podendo, excepcionalmente, ser de 08 (oito) horas caso para aqueles que já tiverem completado o ensino fundamental, desde que nessa carga horária esteja incluída horas de aprendizagem teórica.
  5. A remuneração poderá ser adotada na base do salário mínimo hora, conforme o piso estadual, ou de acordo com o o piso da Convenção Coletiva, se esta for expressa em afirmar que o salário se aplica ao aprendiz. Assim, por exemplo, utilizando-se o salário mínimo nacional vigente, que atualmente é de R$ 1.100,00 (mil e cem reais), o valor da hora será R$ 5,00 (cinco reais), no regime tradicional de “meio expediente” (quatros horas ininterruptas) o valor mensal seria a importância de R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais).
  6. O contrato poderá ser rescindido sem justa causa por ambas as partes, sem que haja imposição de qualquer multa ou penalidade (não se aplica os artigos 479 e 480 da CLT).
  7. O contrato poderá ser rescindido antecipadamente nos casos de:

a)desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz;

b)falta grave disciplinar;

c)ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo.

8.O percentual do FGTS é reduzido para 2% (dois por cento).

  1. São devidas férias, porém, calculadas sobre a carga horária exercida. Se o menor for contratado na jornada de 04 horas, terá direito a 16 (dezesseis) dias de férias (art. 130-A, II da CLT), e adicional de 1/3 no valor de R$ 183,33 (cento e oitenta e três e trinta e três centavos).
  2. O recolhimento de INSS é normal.
  3. O percentual de contratação de aprendizes é de 5% (cinco por cento), no mínimo (art. 9º do Decreto n. 5.598/05).

 

Há algumas observações que devem ser feitas:

 

a)o menor deve constar da CTPS do aprendiz o dia exato de início e término do curso, que deverá coincidir obrigatoriamente com o início e fim do contrato de aprendizagem;

 

b)a função exercida pelo aprendiz na Instituição deve ser a mesma a ser realizada no curso de qualificação profissional;

 

Por fim, insta trazer à baila que a cota do aprendiz legal é obrigatória, e por ter, justamente, uma característica de fomento ao primeiro emprego, os Órgãos de Fiscalização do Trabalho, como as Secretarias Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE) e o Ministério Público do Trabalho, possuem frentes especializadas nesse tipo de fiscalização, deflagrando ações anuais, ou até semestrais, para averiguação do cumprimento da cota legal.

As diligências fiscalizatórias podem ocasionar a imposição de severas multas, que será multiplicadas pelo número de funcionários prejudicados, daí a importância de se manter atualizada a cota.

[1] Instituições de direito do trabalho. Délio Maranhão. Vol. 1. 21 ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 287.

Todos artigos