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A Não Cumulatividade dos Adicionais de Insalubridade X Periculosidade

A Não Cumulatividade dos Adicionais de Insalubridade X Periculosidade

 

INTRODUÇÃO

 

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu artigo 7º, inciso XXIII, prevê o estabelecimento de adicionais compensadores para as hipóteses de atividades laborativas penosas, insalubres e perigosas, a saber:

 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

 

[…]

 

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

 

No Ordenamento Jurídico Pátrio não há previsão de adicional para as atividades penosas, mas tão somente para as atividades insalubres e perigosas, desde que sejam catalogadas em lista homologada pelo Ministério da Economia, por meio da Secretaria do Trabalho.

 

É o entendimento que se extrai do artigo 196 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), bem como da Súmula 448, inciso I do Colendo Tribunal Superior do Trabalho e Súmula 460 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

 

Senão veja-se:

Art. 196 – Os efeitos pecuniários decorrentes do trabalho em condições de insalubridade ou periculosidade serão devidos a contar da data da inclusão da respectiva atividade nos quadros aprovados pelo Ministro do Trabalho, respeitadas as normas do artigo 11.

 

Súmula 448. ATIVIDADE INSALUBRE. CARACTERIZAÇÃO. PREVISÃO NA NORMA REGULAMENTADORA Nº 15 DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO Nº 3.214/78. INSTALAÇÕES SANITÁRIAS.  (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1 com nova redação do item II ) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014.

I – Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho.

 

Súmula 460. Para efeito do adicional de insalubridade, a perícia judicial, em reclamação trabalhista, não dispensa o enquadramento da atividade entre as insalubres, que é ato da competência do Ministro do Trabalho e Previdência Social.

 

Um exemplo de atividade penosa, e que está no rol de trabalhos proibidos pela própria Carta Magna, é o exercício de labor noturno para menores de 18 (dezoito) anos, nos exatos termos do seu artigo 7º, inciso XXXIII, como se verificar do texto constitucional abaixo transcrito:

 

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

 

A questão ganha maior relevância quando se trata da possibilidade de acúmulo dos adicionais de periculosidade e de insalubridade, caso haja verificação de exposição a agentes tanto insalubres quanto perigosos no mesmo ambiente em que se dê o trabalho.

 

DESENVOLVIMENTO

 

Em princípio, cabe esclarecer que a atividade exercida em ambientes em que há a presença de agentes perigosos demanda o pagamento do adicional de 30% (trinta por cento), a incidir sobre o salário básico do obreiro, como se pode notar a partir do texto constante do art. 193, §1º da CLT:

 

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

 

[…]

 

  • 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.

 

Vale registrar que o direito à percepção do aludido adicional se deflagra a partir da constatação de exposição permanente ou intermitente a agentes perigosos, afastando-se, contudo, a incidência do adicional nas hipóteses em que há exposição eventual, como se pode depreender do Enunciado 364, inciso I da Súmula de Jurisprudência Dominante do Tribunal Superior do Trabalho, a saber:

 

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE (inserido o item II) – Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016.

I – Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 05 – inserida em 14.03.1994 – e 280 – DJ 11.08.2003).

 

É de se notar que não há alteração do percentil a incidir sobre o salário básico do trabalhador, para as hipóteses de exposição permanente ou intermitente, permanecendo o adicional na ordem de 30% (trinta por cento).

 

Por outro lado, no que tange à análise da exposição aos agentes insalubres no ambiente de trabalho, não se pode afirmar o mesmo, de vez que a legislação disciplinadora da matéria traz uma peculiaridade quanto ao estabelecimento dos níveis de nocividade.

 

Nesse particular, para o desvendamento do grau de nocividade é necessária uma incursão no campo das provas.

 

Como é cediço, são considerados meios de prova pelo Ordenamento aqueles meios previstos de forma típica na legislação e os moralmente legítimos, suficientes a provar determinada condição de fato, cabendo ao juiz, entretanto, confrontá-los, atribuindo o peso (credibilidade) a cada um, conforme critérios de persuasão racional.

 

Entretanto, em determinados casos a lei tarifa o meio de prova, especificando aquele que deverá, unicamente, ser produzido para a prova do fato em que se funda a querela.

 

É consabido, outrossim, que para a prova da insalubridade, não basta, simplesmente, o apontamento deste, dos supostos agentes caracterizadores da insalubridade, mas sim a sua classificação em lista oficial.

 

Nesse esteira de raciocínio, a realização da prova técnica é insuplantável à deferência do pretendido adicional, nos termos, inclusive, do que restou consignado pelo artigo 195, da CLT, in verbis:

 

Art. 195 – A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.

 

São os termos, inclusive, do parágrafo 2º do aludido dispositivo legal, cujo texto segue transcrito abaixo:

 

  • 2º – Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por Sindicato em favor de grupo de associado, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do Trabalho.

 

Por fim, após desvendada a presença ao agente insalubre, será fixado o nível de exposição e nocividade, tudo conforme laudo técnico, apontando a respectiva correspondência com lista oficial, fazendo-se a subsunção legal para aplicar os percentis, conforme o art. 192 da CLT, verbis:

 

Art. 192. O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.

 

Há acirrada discussão quanto à base de cálculo utilizada para cumprir com a obrigação de pagar o adicional de insalubridade, sendo certo que atualmente em virtude de Reclamação Constitucional ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) perante o Supremo Tribunal Federal, aforada no ano de 2008, autuada sob o nº. Rcl 6266/DF, houve a suspensão da aplicação da Súmula Vinculante nº. 04, e do novo texto da Súmula nº. 228 do Tribunal Superior do Trabalho, que afastavam o salário mínimo para cômputo de vantagem dos trabalhadores, sob os argumentos de lesão à segurança jurídica e perigo de acréscimo extraordinário de demandas judiciais.

 

Nesse contexto, manteve-se o que constou o que fora previsto no Digesto Obreiro, no art. 192, caput, ou seja, aplicando-se o salário mínimo vigente para como base para a incidência do correlato adicional de insalubridade.

 

Feitas as notas preliminares, passa-se a expor o que tem sido amplamente discutido a respeito da possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade.

 

A primeira questão que se aventa é que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 7º, inciso XII, assegura a percepção de ambos os adicionais de periculosidade e insalubridade.

 

A aplicação de uma interpretação extensiva ao dispositivo constitucional seria a que melhor congratularia os direitos sociais dos trabalhadores, já que vigora na ordem jurídica o princípio da maximização dos direitos fundamentais, sociais e econômicos.

 

Na visão de Robert Alexy, jurista alemão, os princípios de direito são mandamentos de maximização, portanto, normas que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto[1].

 

Ademais, há fundamento no sentido de que as hipóteses de incidência dos adicionais seriam diversas, já que o adicional de insalubridade visa compensar os danos à saúde do trabalhador em virtude do desgaste ocasionado pelo labor em condições insalubres, e, no caso do adicional de periculosidade, visa-se compensar o risco de morte advindo do contato permanente ou intermitente com agentes perigosos.

 

Nesse particular, há inclusive orientação de que a disposição do caput do art. 195 da CLT seja aplicada da seguinte forma. Que as perícias atinentes à insalubridade sejam realizadas por médico do trabalho, e que a periculosidade seja atestada por engenheiro do trabalho.

 

Conquanto tal entendimento seja o que melhor demonstra a força normativa da Carta Magna, o posicionamento que tem prevalecido no seio da Justiça do Trabalho é o de que não se permite a acumulação dos adicionas de periculosidade e insalubridade.

 

Essa conclusão parte do princípio de que a Consolidação das Leis do Trabalho foi recepcionada pela Ordem Constitucional de 1988, o que assegura a validade e eficácia de suas disposições, inclusive, para regulamentar o direito social em questão.

 

Nessa esteira de raciocínio, tem-se aplicado o disposto no art. 193, §2º da CLT, para determinar que o trabalhador opte por qual adicional quer fazer jus.

 

Senão veja-se:

 

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

 

[…]

 

  • 2º – O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.

 

No cotidiano da advocacia trabalhista, verifica-se que tal disposição legal somente possui aplicação prática para as hipóteses em que se verifica o adicional de insalubridade no seu grau máximo, ou seja, 40% (quarenta por cento), pois de outra banda, nos percentuais referentes aos graus médio (20%) e mínimo (10%), aplica-se a norma mais benéfica ao trabalhador, que é justamente o adicional de 30% (trinta por cento) de periculosidade, mormente pela incidência do princípio protecionista no âmbito da Justiça Especializada.

 

Outro detalhe relevante, é que por possuir base de cálculo correspondente ao salário contratual, em algumas ocasiões, o adicional de 30% (trinta por cento) no caso de periculosidade pode vir a ser mais benéfico, inclusive, nos casos em que se verificar a insalubridade no grau máximo, o que, pelos mesmos fundamentos do parágrafo anterior, atrairia a incidência do adicional de periculosidade.

 

Por fim, o Tribunal Superior do Trabalho já possui jurisprudência sobre o assunto, tendo sido prolatada decisão em grau de incidente de recursos repetitivos sobre o tema, em que se manifestou pela impossibilidade de cumulação dos adicionais, o que se pode verificar do julgamento paradigmático cuja ementa é transcrita abaixo:

 

EMENTA: INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO, AINDA QUE AMPARADOS EM FATOS GERADORES DISTINTOS E AUTÔNOMOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO. RECEPÇÃO DO ART. 193, § 2º, DA CLT, PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Incidente de recursos repetitivos, instaurado perante a SBDI-1, para decidir-se, sob as perspectivas dos controles de constitucionalidade e de convencionalidade, acerca da possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade, quando amparados em fatos geradores distintos e autônomos, diante de eventual ausência de recepção da regra do art. 193, § 2º, da CLT, pela Constituição Federal. 2. Os incisos XXII e XXIII do art. 7º da Constituição Federal são regras de eficácia limitada, de natureza programática. Necessitam da “interpositio legislatoris”, embora traduzam normas jurídicas tão preceptivas quanto as outras. O princípio orientador dos direitos fundamentais sociais, neles  fixado, é a proteção da saúde do trabalhador. Pela topografia dos incisos – o XXII trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho e o XXIII, do adicional pelo exercício de atividades de risco –, observa-se que a prevenção deve ser priorizada em relação à compensação, por meio de retribuição pecuniária (a monetização do risco), dos efeitos nocivos do ambiente de trabalho à saúde do trabalhador. 3. Gramaticalmente, a conjunção “ou”, bem como a utilização da palavra “adicional”, no inciso XXIII do art. 7º, da Carta Magna, no singular, admite supor-se alternatividade entre os adicionais. 4. O legislador, no art. 193, § 2º, da CLT, ao facultar ao empregado a opção pelo recebimento de um dos adicionais devidos, por certo, vedou o pagamento cumulado dos títulos, sem qualquer ressalva. 5. As Convenções 148 e 155 da OIT não tratam de cumulação de adicionais de insalubridade e de periculosidade. 6. Conforme ensina Malcom Shaw, “quando uma lei e um tratado têm o mesmo objeto, os tribunais buscarão interpretá-los de forma que deem efeito a ambos sem contrariar a letra de nenhum dos dois”. É o que se recomenda para o caso, uma vez que os textos comparados (Constituição Federal, Convenções da OIT e CLT) não são incompatíveis (a regra da impossibilidade de cumulação adequa-se à transição para o paradigma preventivo), mesmo considerado o caráter supralegal dos tratados que versem sobre direitos humanos. É inaplicável, ainda, o princípio da norma mais favorável, na contramão do plano maior, por ausência de contraposição ou paradoxo. 7. Há Lei e jurisprudência consolidada sobre a matéria. Nada, na conjuntura social, foi alterado, para a ampliação da remuneração dos trabalhadores no caso sob exame. O art. 193, § 2º, da CLT, não se choca com o regramento constitucional ou convencional. 8. Pelo exposto, fixa-se a tese jurídica: o art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos. Tese fixada.[2]

CONCLUSÃO

 

Após a configuração de ambos os adicionais, e dos percentis a serem aplicados quanto ao adicional de insalubridade, a opção pelo adicional de insalubridade só deve ocorrer para a hipótese de insalubridade em grau máximo, caso a projeção sobre o salário mínimo lhe seja mais benéfico, devendo ser aplicado o percentual de 30% (trinta por cento) quanto ao adicional de periculosidade nas demais hipóteses (insalubridade em graus médio e mínimo).

 

[1] Artigo que trata especificamente dessa distinção: cf. Silva, Virgílio Afonso da. “Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção”. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, nş 1, 2003. p. 90.

[2] Tribunal Superior do Trabalho. Incidente de Recursos Repetitivos nº. 00000239-55.2011.5.02.0319. Seção de Dissídios Individuais I. Ministro Relator Alberto Bresciani. Julgado em 26.09.2009. Republicado em 15.05.2020.

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